“Mãe, eu posso ir embora? Eu consegui 100 reais vendendo as balas, tem 50 para senhora e 50 para vó, tá chovendo e eu to com frio”.
(Menino desconhecido na vila madalena)
Certa vez ouvi uma música do Facção central e imediatamente eu pensei “Que horror! Como Eduardo e Dundum escrevem uma música machista destas, acusando as mães de uma coisa tão horrorosa”, a música chama-se “Eu não pedi para nascer”:
“Minha mão pequena bate no vidro do carro/ No braço se destacam as queimaduras de cigarro/ A chuva forte ensopa a camisa o short/ Qualquer dia a pneumonia me faz tossir até a morte/Uma moeda, um passe me livra do inferno, Me faz chegar em casa e não apanhar de fio de ferro/ O meu playground não tem balança, escorregador/ Só mãe vadia perguntando quanto você ganhou”.
O menino desconhecido da Vila Madalena me deixou assustada, a mãe da música do Eduardo e Dundum existia, ela não era uma vadia, mas era uma manifestação da perversão da maternidade. Obviamente que podemos colocar aqui a ideia de que a própria foi criada sem amor, na pobreza, submetida a vícios e violências… Mas ainda assim, desmantela o mito do tal “amor materno”. E não, esta não é apenas uma “mãe” degenerada e anonima entre tantas outras tratando o filho com perversidade, existem muitas por ai, elas exercem o poder outorgado a elas em função da maternidade para destruir as possibilidade de evolução da criança em sua posse.
Mas por que eu fiquei assustada? Oras eu também fui criada para acreditar que as mães são seres celestiais que dariam a vida por seus filhos. Eu estava errada. Apesar de sempre ter sido constatado um estranhamento da minha parte toda vez que aparecia a “treta mãe de pets x mãe de humano”, eu tentava entender por quê, não era por que eu não entendia as especificidades de uma mãe e uma tutora, mas por causa do louvor a mãe como se ela fosse um ser celestial e intocável. Era algo muito bem guardado dentro da minha mente o por quê eu renegar este papel nas mães. Eu sempre saia destas discussões sentindo me não vencida, mas mal compreendida.
Este tipo de defesa da maternidade como se fosse algo intocável faz com muitas crianças, adolescentes, adultos, idosos… calem-se sobre a relação tóxica e abusiva vivida com suas mães, submetam-se a vida toda a desmandos, perversidades e violências verbais ou físicas.
Obviamente que dentro do feminismo, que é um movimento que luta pela libertação da mulher, deve existir pautas para que as mulheres possam exercer poder sobre seus direitos reprodutivos, tendo ou não filhos, e se tiver filhos, que tenham direito a maternidade plena. Mas a “maternidade” é algo construído socialmente, o louvor a maternidade é construído socialmente e normalmente é usado como forma de aprisionar a mulher a papel de cuidadora dos filhos dos homens. Muitas mulheres que queriam ser mães, acabam tendo filhos, para saciar a sociedade que espera isso dela, para não romper com a igreja que diz “não aborte”, para satisfazer o marido, as famílias, para satisfazer o mundo, menos a si mesma. Da pressão social e maternidade compulsória muitas mulheres tem filhos e não tornam-se mães. Ter um filho não faz de uma mulher mãe.
A mãe como tutora da criança que gerou deveria construir um vínculo afetivo com seu filho (a), construir um campo de proteção que esteja preparado para receber seu filho (a) quando este buscar acolhimento, é papel dos tutores da criança encaminhá-la na vida pelas melhores oportunidade, participar ativamente em sua formação emocional e intelectual.
Vivemos em uma sociedade que é comum sabermos casos de crianças espancadas, castigadas desumanamente, prostituídas, violentadas emocionalmente e por isso com dificuldades de desenvolver se intelectualmente. Nestes lares a maternidade pode ser louvada também? Não trata-se de uma exceção, é real, é mais comum do que pensamos.
Algo que até bem pouco tempo era muito bem aceito, a tal da palmada educativa que no interior dos lares e sobre segredo da família tornavam-se surras corretivas, espancamento que geravam hematomas, membros quebrados, traumas, medo etc. tudo o que era necessário para criar crianças ansiosas, depressivas, agressivas. rebeldes etc. Patologias que agindo sobre sua personalidade, ainda abria prerrogativa e consentimento social para que os país fossem ainda mais repressivos e violentos.
Onde eu quero chegar?
Em psicologia existe um termo para designar um tipo de relação entre mãe e filha que extremante tóxico: Filhas de mães narcisistas. [1]
Vi este tipo de coisa acontecer a vida toda e não sabia nomear, e talvez não quisesse nomear por que a ideia de “mãe é mãe” estava ali alienando meu cérebro moldado para repetições de conceitos sociais aprendidos e inculcados ali, mas enfim, o que importa é que vi casos passando na minha cara e eu sempre achava que era culpa da filha, por que “uma flha que não gostava da própria mãe, ora bolas, só poderia ser ela que não prestava.” A tal da “Ovelha negra da familia”.
Casos:
- Priscila : Eram dois irmãos que viviam sobre a guarda de uma mãe narcisista, tirana e controladora, a mãe, além de controlar a vida dos filhos, ao menor escape ela “fazia-se de louca” e retomava o controle. Por exemplo, Priscila de uns 24 anos na época, namorava um rapaz contra a vontade da mãe, ela ia e voltava com este namorado que já não aguentava mais as intromissões da mãe, um certo dia, ele foi até a casa de Priscila conversar e saiu de lá expulso pela mãe dela com um cabo de vassoura. Priscila chorava, xingava a mãe de bruxa, dizia que ela queria destruir sua vida. Quem ouvisse apenas as reclamações da filha e xingamentos contra a mãe diria que ela é uma “Filha desnaturada” e ela seria facilmente tratada como louca.
- Vanessa: A mãe de vanessa era extremamente autoritária e controlador a e como a mãe de Priscila, trabalhava incessantemente para destruir a vida afetiva da filha e qualquer tipo de avanço profissional, a mãe chegava a ir em seu local de trabalho brigar com ela, fazia escândalos, a mãe conversava com as chefias de Vanessa, deteriorando com suas descrições da filha, a confianças dos contratantes por que, “se até a mãe fala mal da filha, é por que ela não presta mesmo”. Por diversas vezes ela foi demitida depois da intervenção da mãe. A ciência de que ninguém acreditaria na verdade que ela tinha a dizer, passou a beber até tornar-se uma alcoólatra.
- Rodolfo e Marcelo: Eram irmãos de Priscila. A mãe passou a vida colocando um filho contra o outro, o terceiro filho, Marcelo, conseguiu libertar – se da mãe, a vida dele fluiu, conseguiu estabecer – se financeiramente, comprou seu apartamento, estava bem empregado, vivendo uma vida quase sadia, se não fosse a inimizade entre ele e o irmão, uma rivalidade instigada pela mãe e as investidas da mãe sempre que possível para envergonhá-lo frente a amigos e namoradas. Todas esta histórias são longas e cheia de detalhes peversos, mas o final delas são altamente tristes, o final desta se deu com a Mãe indo morar com Rodolfo bem longe de Marcelo, em outro estado, Rodolfo em depressão profunda, abandou a vida, vive sem viver. Marcelo segue sia vida da melhor forma possivel pois o distanciamento o beneficiou.
No livro: O complexo de Cassandra: Histeria, descrédito e o resgate da intuição feminina no mundo moderno, este assunto é bastante abordado.O livro nos fala sobre um evento narrrado na mitologia grega, quando o Deus Apolo se apaixonou por Cassandra, filha do rei de Troia, e a ela prometeu o dom da profecia. Quando ela se recusou a ser seduzida, Apolo, por vingança, amaldiçoou-a para que ninguém acreditasse em suas profecias. E assim se estabelece a tragédia arquetípica de todas as mulheres oprimidas num mundo patriarcal: sua sabedoria e intuição são desacreditadas, chegando ao ponto de questionarem suas próprias percepções. E desta forma, a situação de vivenciada pela filha da mãe narcisista entra neste combro de opressões que as mulheres são submetidas, já que as percepções da filhas a respeito do abuso são desmentidas pela sociedade que erigiu em altar a santa mãe.
Esses são apenas alguns exemplo, obviamente existem milhares que podem ser contados aqui, o que interessa dizer é que desenvolver se como ser humano na presença de uma mãe egoista, egocêntrica e muitas vezes com a presença de um pai permissivo que torna-se um facilitador do narcisismo da mãe, forma um pessoa que em fase adulta desconhecerá o sentido de autoconfiança e realização, assim como austoestima estará em nível não detectável, facilitando a entrada, especialmente de mulheres em relacionamentos abusivos com parceiros intimos. Quem cresce acreditando que abuso é amor, aceita com facilidade relacionamentos abusivos com parceiros intimos.
Não existe maternidade perfeita, e também não existe um ser mãe como se uma entidade nos possuisse a nós mulheres no momento do momento que estamos gestando um filho até o sempre eternamente. As mulheres são oprimidas mas, também podem ser opressoras. Tomemos partido de todos os oprimidos, mesmo que a opressora seja uma mãe.
Bibligrafia:
- Filhas de mães narcisistas <https://filhasdemaesnarcisistas.com.br/perfil-da-mae-narcisista/> Acessado em: 06/02/2019
- O complexo de Cassandra: Histeria, descrédito, e o resgate da intuição femina no mundo moderno: Schapira Layton, Laurie. – 2. ed. São Paulo: Cutrix, 2018.
- Filhas de mães narcisistas, conhecimento e cura. Engelke Michele. Livro virtual.