Por: Gleide Fraga e Arthur Souza.
Não existe nenhuma lei no código civil que me impeça de ser comunista, isso é fato. Mas expande-se uma ideia moral de que negros estão para o comunismo, assim como estão para o nazismo; lógico que não pelos mesmos motivos (espero que isso esteja lógico na sua cabeça também), mas sim por falta de afinidade ideológica, segundo os críticos do assunto.
É lógico também, – para nós negros e comunistas, que estas afirmações são de embasamento raso (ou até mesmo a falta dele), que não correspondem aos ideais do movimento, pois quando se trata da classe trabalhadora, principalmente em países cuja colonização se deu através da exploração, estamos falando da população negra. Não só porque no Brasil a população negra é maioria, ou por corresponderem a maior parcela dos marginalizados, dos que recebem até 3 salários mínimos, do que estão inclusive, desempregados.
“Conforme análise do Ipea, em 2014, o Brasil possuía 2,4 milhões de mulheres negras desocupadas contra 1,2 milhão de homens brancos desempregados. Além do menor índice de empregos formais, os rendimentos também são diferentes: apesar de as distâncias terem diminuído desde 2004, os homens brancos ainda recebem, em média, rendimentos 60% superiores aos das mulheres negras.” (http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/12/apesar-de-queda-na-desigualdade-desemprego-e-maior-e-renda-menor-entre-negros-no-brasil-4940581.html)
Mas porque esta é uma questão social, que tem um âmbito de peso histórico e politico muito grande, e consequentemente nos leva a crer que é impossível militar sozinho, de que é impossível o fechamento de grupos sociais cuja única identificação social é a cor de pele. Há de se levar em consideração de que o empoderamento estético tem uma enorme expressão social e um peso relevante no que diz respeito ao auto reconhecimento de valorização humana, a desanimalização e o fim da automutilação social, seja nos pequenos meios cotidianos, seja em grandes camadas, como a mídia por exemplo.
Entretanto, não se pode parar por aí, é necessário se ater às questões de gênero, raça , sexualidade e classe de uma maneira mais profunda, e isso entende-se que, para que além do meu empoderamento individual e do meu grupo, eu preciso contribuir para que a massa trabalhadora, negra, feminina, LGBT possa se empoderar como grupo, possa encontrar vieses de libertação social que determinem o fim das opressões sistemáticas, da padronização estética, intelectual, cultural, literária, familiar e etc; e isso só será possível se cada massa trabalhadora se unir enquanto maioria (afinal, somos muitos dos que não detém capital) determinando o protagonismo de suas ações e buscando aliados de luta, sejam eles homens trabalhadores, brancos e heterossexuais trabalhadores. Afinal, homens continuam nascendo todos os dias, assim como heteros e brancos, e eles poderão ou não perpetuar suas opressões com as quais o sistema lhes dá com o falso privilégio, contribuindo para os mecanismos de hierarquia que o capitalismo fortaleceu.
E o que seriam falsos privilégios? A ideia de que uma pessoa branca tem potencial racista não é inteiramente verdade, assim como não é de um todo mentira, ela pode sim colher frutos da escravidão como privilégio racial, entretanto, ela não pode ser determinadamente racista, tendo em vista de que se trata de uma única pessoa, que não pode sozinha manipular todo o sistema de opressão racista através do mercado de trabalho, relações interpessoais, mídia, indústria e afins; esta pessoa nasce e cresce numa sociedade que já era racista antes mesmo dela nascer, ela não carrega genes racistas, mas recebe uma educação tal qual; por isso ela pode ao longo de sua vida manifestar comportamento racista, assim como uma pessoa negra; a diferença é que uma não sofrerá retaliações deste comportamento, a outra por outro lado, poderá ate mesmo ser morta por isso.
Mas então, por que ser negro e comunista?
Para entender que os mecanismos de opressão vão além de manifestações e relações individuais, mas fruto de um problema enraizado na sociedade através do capital e da propriedade privada.
“Senhoras, foi acabado de ser dito que nós não devemos lutar, que devemos ser gentis e boas para os nossos inimigos, para aqueles que estão em guerra. Eu não posso concordar com isso. Todas sabemos que a causa da guerra – é o capitalismo. Não podemos dar a esses maus capitalistas o seu jantar e pô-los na cama da mesma forma que fazemos com as nossas crianças. Temos de lutar contra eles.” Ângela Davis
Para entendermos porque defendemos um combate ao capitalismo, precisamos voltar alguns períodos no tempo.
A justificativa para a escravidão sempre foi a crença de que uns são mais fortes e deveriam governar sobre os mais fracos. Foi o que sustentou a maior parte da escravidão na antiguidade, quando um povo vencia o outro em uma guerra.
No Brasil, a escravidão indígena caiu principalmente pela familiaridade dos mesmos com as terras e pela não adaptação ao trabalho pesado. Era extremamente difícil controlar as fugas dos índios, que conheciam as terras como a palma da mão. Na África, havia centenas de tribos diferentes que venciam umas às outras nas batalhas, e os colonizadores viram como uma oportunidade de mão de obra barata, alheia ao espaço de exploração e não familiarizados com os outros escravos, de outras tribos.
Com o passar do tempo, a igreja passou a sustentar a ideia de que havia um povo naturalmente infiel e inferior. O tráfico negreiro foi brutalmente estendido, e a justificativa anteriormente religiosa e moral, com o advento do renascimento científico, foi substituída por uma justificativa também científica. Agora, podem até ter alma, mas são biologicamente inferiores.
Quando foi favorável ao capital, as nações passaram a defender a abolição da escravidão, em prol de um mercado consumidor que atendesse às demandas.
Somos comunistas porque acreditamos que o racismo historicamente foi uma justificativa criada pelo colonialismo e imperialismo para o controle das nações, e somente com a abolição da propriedade privada ele pode ser destruído. O racismo é a base de sustentação do capitalismo, que sob quaisquer tipos de justificativas, morais, religiosas ou científicas, irá defender a exploração de um povo sobre outro.
Somos comunistas porque acreditamos na luta pela libertação da África que muitos companheiros construíram, assim como a luta de outros povos não europeus. Todos esses lutadores nos são exemplo de que o marxismo pode e deve ser utilizado como uma teoria de libertação, adaptada à realidade de cada região.
Somos comunistas porque proletário não tem pátria, e a luta pela sua libertação é a luta pela libertação de todos os povos oprimidos.
Assim os Panteras Negras se recusavam a ir lutar pelos EUA uma luta que não era a deles, e que dizimar outros povos simplesmente por uma questão de nação seria ir contra a independência deles mesmos.
Por fim, somos comunistas porque defendemos que nossa luta contra o racismo é uma luta contra o capital, contra a exploração de todos os trabalhadores do mundo, contra a burguesia, que justifica a escravidão dos povos, e que apenas de mãos dadas com esses trabalhadores podemos libertar a humanidade.